Conta a anedota que, na década de 1920, em plena Lei Seca, Al Capone escondia parte de seus lucros ilícitos atrás de uma rede de lavanderias automáticas. Daí teria surgido a expressão money laundering.
A história é fascinante, mas controversa. De fato, mafiosos investiam em negócios de caixa rápido — bares, restaurantes, lavanderias —, só que muitos estudiosos defendem que a associação direta com o termo é provavelmente retroativa. Afinal, o crime de lavagem de dinheiro só foi tipificado nos anos 1980, após o escândalo de Watergate.
Real ou não, a metáfora com as lavanderias segue poderosa: dinheiro “sujo” que entra, dinheiro “limpo” que sai. E ainda hoje empresas de fachada continuam a ser usadas nesse tipo de manobra — uma entre muitas.
Você sabe quais são as outras? Sabe identificar os sinais desse crime financeiro? Neste artigo, vou responder de forma clara e didática:
- O que é lavagem de dinheiro?
- Quais as formas mais comuns?
- Quais as fases do processo?
- Como identificar indícios?
- Quais exemplos chamam mais atenção?
Continue a leitura e descubra como funciona, na prática, um dos crimes financeiros mais nocivos para a sociedade.
O que é lavagem de dinheiro?
Lavagem de dinheiro é um crime financeiro que consiste em utilizar diferentes manobras para disfarçar a origem de recursos obtidos de forma ilegal.
Na prática, o objetivo é transformar valores provenientes de atividades criminosas (“dinheiro sujo”) em aparentes rendimentos de atividades legítimas (“dinheiro limpo”).
Criminosos recorrem a esse tipo de prática para justificar a posse dos recursos sem levantar suspeitas das autoridades, como a polícia ou a Receita Federal. Além disso, para usufruir desses valores, precisam inseri-los novamente na economia, fazendo com que voltem a circular.
Lavagem de dinheiro no Código Penal
No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro é tipificado por lei específica — a Lei 9.613/1998, conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro — e não pelos artigos do Código Penal. Essa lei foi atualizada posteriormente pela Lei 12.683/2012, que fortaleceu o combate ao crime e ampliou a definição de crimes antecedentes e formas de ocultação.
Segundo a Lei 12.683/2012, a lavagem de dinheiro consiste na prática ou tentativa de:
“Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.”
A pena varia de 3 a 10 anos de reclusão e multa, podendo aumentar em até dois terços se houver reincidência ou participação de organização criminosa.
- Converter, receber ou movimentar recursos ilícitos;
- Importar ou exportar bens com valores falsos;
- Utilizar bens ou valores ilícitos em atividades econômicas;
- Participar de grupos com conhecimento da prática de lavagem.
Ou seja, são culpados todos que, de alguma forma, contribuem para o processo de lavagem de dinheiro, desde ocultar a origem ilícita até movimentar ou integrar os recursos na economia formal.
A mesma lei define ainda obrigações para instituições financeiras, seguradoras e outros setores que lidam com transações relevantes. O descumprimento dessas normas pode gerar sanções que vão de advertência a multas de até R$20 milhões, além da possibilidade de suspensão ou cassação do funcionamento ou da atividade.
Observação: a Lei 9.613/1998 também criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão responsável por analisar movimentações financeiras atípicas reportadas por instituições financeiras e outros setores obrigados.
Quais são as formas mais comuns de lavagem de dinheiro?
A lavagem de dinheiro ocorre por meio da simulação de diversas operações financeiras. As formas mais comuns incluem:
- Bancos subterrâneos: são redes informais de transferência de dinheiro comuns na Ásia, África e Oriente Médio, que permitem movimentações sem registros oficiais, baseadas apenas na confiança entre intermediários, dificultando a fiscalização;
- Contratos superfaturados: utilização de importações ou exportações fraudulentas para inflar o valor de produtos em transações internacionais, permitindo enviar ou receber dinheiro ilícito de forma disfarçada;
- Depósitos estruturantes (smurfing): fracionamento de grandes quantias de dinheiro ilícito em pequenos depósitos ou transações, muitas vezes em diferentes contas. Pode ser feito por uma pessoa ou por um grupo (“smurfs”);
- Empresas de fachada: uso de empresas que funcionam aparentemente de forma legal para misturar dinheiro ilícito às receitas, disfarçando sua origem na contabilidade;
- Insiders: cumplicidade de funcionários de instituições financeiras ou empresas que facilitam a movimentação de dinheiro ilícito, ignorando regras e alertas para burlar controles internos;
- Laranjas: pessoas que emprestam suas identidades para ocultar os verdadeiros beneficiários de crimes, realizando transações em seu nome, conscientes ou não;
- Operações com bens de luxo: compra e venda de itens de alto valor, como carros, joias ou obras de arte, com preços manipulados, permitindo movimentar grandes quantias sem rastros claros;
- Paraísos fiscais: transferência de fundos para contas offshore em países com sigilo bancário rigoroso e baixa tributação como as Ilhas Cayman, Bahamas e Panamá, dificultando identificar os verdadeiros titulares;
- Sociedades fictícias (shell companies): empresas que existem apenas no papel, sem atividade real, usadas para simular transações e dar aparência de legalidade a valores ilícitos;
- Transações fraudulentas de imóveis: compra de imóveis por valores abaixo do real com diferença paga em dinheiro vivo, com futura revenda por preço de mercado, disfarçando o dinheiro ilícito.
Vale observar que, não raro, essas e outras operações são combinadas de maneira complexa para dificultar o rastreamento da origem ilícita dos recursos.
Quais são as fases da lavagem de dinheiro?
Se as estratégias adotadas por criminosos para ocultar ou dissimular a origem de recursos obtidos de forma ilícita podem ser as mais distintas, todas elas seguem, invariavelmente, uma mesma sequência de três fases:
- Colocação (placement): inserção do dinheiro sujo no sistema financeiro por meio de empresas ou instituições financeiras legítimas, afastando-o da origem criminosa. A colocação pode acontecer de diferentes modos, por exemplo:
- Depósitos fracionados para evitar alertas de movimentações atípicas;
- Aquisição de bens de alto valor, carros, imóveis ou obras de arte, por exemplo.
- Ocultação (layering): etapa mais complexa, onde os criminosos realizam múltiplas transações para modificar a forma dos bens ou valores, dificultando seu rastreamento. Pode se dar de distintas maneiras:
- Transferências entre diferentes contas bancárias, principalmente em países diferentes;
- Utilização de empresas de fachada;
- Transferências para paraísos fiscais;
- Conversão em criptomoedas e outros ativos digitais;
- Contratos superfaturados ou falsos.
- Integração (integration): após distanciar o dinheiro da origem ilegal, os valores são integrados à economia formal por meio de investimentos ou aquisições legítimas. Exemplos incluem:
- Investimentos como ações, fundos de investimento ou títulos públicos;
- Aquisição de empresas legítimas, que permitem a movimentação do dinheiro em operações comerciais regulares.
Embora esse modelo de 3 fases seja o mais aceito, algumas abordagens alternativas sugerem ainda a existência de uma quarta fase:
- Reciclagem (enjoyment): nessa quarta fase, o dinheiro “já limpo” é utilizado para financiar novos crimes, reinvestindo, por exemplo, em tráfico de drogas ou armas.
Embora essa etapa não seja amplamente reconhecida, ela evidencia como o dinheiro lavado pode retornar a atividades criminosas, criando um ciclo contínuo.
Como saber se é lavagem de dinheiro?
Os principais sinais de lavagem de dinheiro são transações financeiras suspeitas ou atípicas, incompatíveis com o histórico ou perfil do cliente. Sempre que um indício desse tipo é identificado, instituições financeiras e outros setores obrigados devem reportá-lo ao Coaf, conforme a Lei nº 9.613/1998.
A lista de operações consideradas suspeitas é extensa. A Carta-Circular nº 2.826 do Banco Central define que indícios devem ser reportados em diferentes cenários, conforme a tabela abaixo:
| Tipo de operação | Principais sinais |
| Espécie ou cheques viagem | Valores ≥ R$10.000, saques a descoberto, uso frequente de cheques, grandes transferências a terceiros, troca de notas ou moedas, depósitos com notas falsas. |
| Conta corrente | Movimentação incompatível com renda, retiradas incomuns, mudanças súbitas na movimentação, aumento de limites de crédito, financiamento sem comprovação, contas em fronteiras. |
| Atividades internacionais | Facilidades suspeitas em câmbio, pagamentos antecipados de importação ou exportação, negociação de ouro fora do usual, uso de cartão incompatível com renda, transferências elevadas, doações suspeitas. |
| Empregados e representantes | Mudança repentina de comportamento ou padrão de vida, alteração inesperada do patrimônio. |
Para monitorar essas movimentações, instituições financeiras utilizam sistemas que geram alertas automáticos. O problema é que sistemas baseados apenas em regras fixas — como as elencadas pela circular — são previsíveis, e criminosos experientes ajustam suas ações para não serem detectados.
Por isso, tecnologias modernas de big data e machine learning têm sido usadas para identificar padrões ocultos, como transações pequenas pulverizadas, contas novas e conexões entre perfis suspeitos que, isoladamente, pareceriam normais, tornando a detecção muito mais eficaz.
Observação: a comunicação de uma operação ao Coaf não é uma denúncia de lavagem de dinheiro; indica apenas que a transação conta com características que exigem notificação obrigatória. Ainda, essa comunicação ocorre sem o conhecimento do cliente, para não alertar possíveis criminosos.
Quais os exemplos de prática de lavagem de dinheiro?
A melhor forma para fixar um conceito é observando sua aplicação na prática. E, infelizmente, no caso da lavagem de dinheiro, não faltam casos históricos para servir de exemplo. Entre os mais conhecidos estão:
- Al Capone (anos 1920–1930): o mafioso de Chicago teria usado uma rede de lavanderias para misturar o dinheiro do contrabando de bebidas alcoólicas com receitas legais. Daí viria uma das possíveis origens da expressão money laundering;
- Watergate (1973): a campanha de reeleição de Richard Nixon utilizava empresas de fachada e transações internacionais para ocultar doações ilegais. Esse caso popularizou o uso do termo money laundering na imprensa;
- Cartel de Medellín (anos 1980): Pablo Escobar movimentava bilhões do narcotráfico por meio de empresas de fachada, compra de imóveis, uso de paraísos fiscais e depósitos estruturantes feitos por intermediários (“smurfs”);
- Escândalo do Banestado e contas CC5 (anos 1990–2000): bilhões de dólares foram enviados ilegalmente ao exterior por meio das chamadas contas CC5, criadas para permitir remessas de não residentes;
- HSBC e o SwissLeaks (2015): reportagens revelaram como o banco ajudou clientes a ocultar bilhões em depósitos fracionados e transferências, usando também insiders para dificultar a detecção;
- Fintechs e PCC (2025): investigações recentes mostraram como fintechs ligadas ao 2GO Bank e InvBank foram usadas para movimentar recursos ilícitos do PCC por meio de criptoativos.
Esses casos, em ordem cronológica, mostram como a lavagem de dinheiro evoluiu — das lavanderias de Al Capone aos criptoativos usados por fintechs. Da mesma forma, instituições precisam inovar constantemente para acompanhar a sofisticação desses esquemas.
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Comentários
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Bom dia Estou em dúvida em relação ao arquivar os cadastros do clientes para preservação de lavagem de dinheiro.Sao 5 anos a partir da abertura ou encerramento na conta?
Boa tarde Ana Paula, tudo bem? O plano é do encerramento da conta. Se fosse em relação a abertura da conta, a instituição não teria dados de um cliente ativo, não teria nexo. Concordas? Curta nossa página no facebook https://www.facebook.com/TopInvestBrasil e compartilhar nosso conteúdo para que possamos continuar com a educação financeira gratuita. Um abraço, Kléber H. Stumpf
Sim foi o que imaginei, mas a minha dúvida foi pq fiz o simulado e errei pois assinalei justamente contando a partir do encerramento, então não podemos confiar nesses simulados pois já encontrei outros erros
Bom dia Ana, tudo bem? O simulado é confiável sim. As vezes acontece algum erro de digitação mas eu sempre corrido o mais breve possível. Curta nossa página no facebook https://www.facebook.com/TopInvestBrasil e compartilhar nosso conteúdo para que possamos continuar com a educação financeira gratuita. Um abraço, Kléber H. Stumpf