Você já reparou que todo candidato a cargos eletivos no Brasil precisa declarar seu patrimônio ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)? Essa exigência existe para garantir transparência e evitar que políticos enriqueçam de forma suspeita durante a carreira pública. Mas e quando alguém acumula grandes somas de dinheiro sem uma fonte de renda clara?

É aí que entra a lavagem de dinheiro —- um processo utilizado por criminosos para ocultar a origem de valores obtidos de forma ilegal, tornando-os aparentemente legítimos. Além de políticos corruptos, esse mesmo esquema é amplamente utilizado por traficantes, contrabandistas, assaltantes e até mesmo organizações terroristas.

Mas como isso acontece na prática? Quais são as estratégias mais comuns usadas para disfarçar dinheiro sujo? Como as autoridades conseguem identificar e combater esse crime?

Neste artigo, vou explorar em detalhes tudo o que você precisa saber para entender de uma vez por todas esse tema, incluindo:

  • O que é lavagem de dinheiro;
  • Qual a origem do termo “lavagem de dinheiro”;
  • Quando é considerado lavagem de dinheiro;
  • Quem pratica lavagem de dinheiro;
  • 10 esquemas comuns de lavagem de dinheiro;
  • Quais são as 3 fases da lavagem de dinheiro;
  • Quais os sinais de lavagem de dinheiro;
  • Exemplos reais de lavagem de dinheiro;
  • O que é lavagem de dinheiro inversa;
  • Qual a diferença entre lavagem de dinheiro e branqueamento de capital;
  • Qual o impacto da lavagem de dinheiro;
  • Como combater a lavagem de dinheiro;
  • Quais são as principais legislações brasileiras de combate à lavagem de dinheiro;
  • Qual a importância do Coaf no combate à lavagem de dinheiro;
  • Qual a pena para lavagem de dinheiro.

E então, vamos nessa?

O que é lavagem de dinheiro?

A lavagem de dinheiro pode ser definida como o conjunto de práticas usadas para ocultar a origem ilícita de recursos, simulando operações financeiras e comerciais para integrá-los na economia formal. Ou seja, consiste em fazer com que valores obtidos por meio de atividades criminosas (dinheiro sujo) pareçam ter vindo de fontes legítimas (dinheiro limpo).

Essa prática ocorre porque a pessoa que obtém dinheiro de atividades criminosas — como roubos, extorsão, corrupção, tráfico de armas e drogas — precisa justificar a origem desses valores para evitar levantar suspeitas por parte da polícia e/ou da Receita Federal. Ademais, para que usufrua desses valores, há a necessidade de fazer com que esse dinheiro volte a circular.

Qual a origem do termo “lavagem de dinheiro”?

Acredita-se que a expressão “money laundering” (em tradução direta “lavagem de dinheiro”) foi usada pela primeira vez durante a cobertura midiática do escândalo de Watergate, em 1973. Na época, descobriu-se que a campanha de reeleição do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, usava uma rede de empresas de fachada e transações internacionais para ocultar a origem e o destino de doações ilegais. Para os curiosos, essa história é contada no filme Todos os Homens do Presidente (1976), dirigido por Alan J. Pakula e vencedor de quatro Oscars.

Outra teoria sugere que o termo foi criado em alusão a Al Capone, que supostamente era dono de uma rede de lavanderias automáticas em Chicago. Essas lavanderias teriam sido usadas como fachada para misturar o dinheiro obtido com atividades criminosas, como a venda de bebidas alcoólicas — proibida à época pela Lei Seca — com a receita legítima desses estabelecimentos.

Por fim, há ainda uma interpretação mais literal. Segundo essa versão, a expressão “lavagem de dinheiro” teria surgido de uma técnica de falsificação de dólares que consistia em colocar as notas na máquina de lavar para que ficassem com aparência de usadas, dificultando sua identificação.

Independentemente da origem do termo, todas essas teorias descrevem exemplos ainda comuns de alguns dos métodos mais utilizados na lavagem de dinheiro, como o envio de recursos para o exterior e o uso de empresas de fachada para disfarçar transações ilícitas.

Quando é considerado lavagem de dinheiro?

Como bem define a Lei n° 9.613/1998, a qual dispõe sobre a prevenção a esse tipo de crime, são consideradas práticas de lavagem de dinheiro todas aquelas que visam:

Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Estão incluídas aqui todas as formas possíveis de simulação de transações financeiras ou comerciais utilizadas para dissimular a origem de recursos, dando uma aparência lícita aos valores obtidos com atividades criminosas. 

Alguns exemplos conhecidos incluem a transferência de recursos para o exterior, a utilização de empresas de fachada, a falsificação de documentos fiscais e a compra de bens de alto valor, como imóveis, veículos de luxo e obras de arte — mas sobre isso, falarei em detalhes dentro em pouco.

Quem pratica lavagem de dinheiro?

A lavagem de dinheiro pode ser praticada tanto por indivíduos sozinhos quanto por organizações criminosas que buscam disfarçar a origem de valores obtidos ilegalmente. Entre os principais responsáveis estão traficantes de armas e drogas, assaltantes, terroristas, fraudadores e contrabandistas e, infelizmente, funcionários públicos implicados em esquemas de corrupção. Estes, contudo, são apenas os casos mais comuns.

A lista inclui ainda intermediários utilizados pelos responsáveis diretos pelos crimes — os chamados “laranjas” — até empresas e profissionais que facilitam e auxiliam no processo de ocultação ou dissimulação de valores, bens e direitos, como empresários, doleiros e até mesmo instituições financeiras negligentes.

Para uma definição mais técnica, a Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998), em seu Capítulo 1, considera responsáveis pelo crime aqueles que:

  • Converte valores, bens ou direitos originados de crimes em ativos lícitos;
  • Adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere o “dinheiro sujo”;
  • Importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros;
  • Utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
  • Participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de lavagem de dinheiro.

Para resumir: são igualmente considerados culpados pelo crime de lavagem de dinheiro todos aqueles que, de alguma maneira, contribuem em qualquer uma das etapas do processo. Isso inclui desde quem oculta a origem ilícita dos recursos até quem facilita sua movimentação por meio de transações fraudulentas ou integra os valores na economia formal por meio da aquisição de bens e investimentos.

Como é feita a lavagem de dinheiro?

A lavagem de dinheiro é feita por meio da simulação de diferentes operações financeiras e comerciais — muitas vezes, por uma combinação delas. Entre os métodos mais comuns utilizados estão:

  • Depósitos estruturantes;
  • Bancos no exterior (paraísos fiscais);
  • Bancos subterrâneos/alternativos;
  • Sociedades fictícias (shell companies);
  • Investimento em negócios legítimos (empresas de fachada);
  • Laranjas;
  • Importações e exportações fraudulentas (superfaturamento);
  • Transações fraudulentas de imóveis;
  • Operações com bens de luxo;
  • Cumplicidade de profissionais internos (insiders).

Para que fique mais claro como o processo de lavagem de dinheiro funciona, abaixo explico brevemente cada uma dessas 10 estratégias utilizadas por criminosos para dar aparência limpa ao dinheiro sujo.

Depósitos estruturantes

Também conhecida como “smurfing”, essa estratégia consiste em fracionar grandes quantias de dinheiro ilícito em pequenos depósitos ou transações realizadas, normalmente, em diversas contas bancárias. O objetivo aqui é evitar os alertas automáticos de instituições financeiras e autoridades reguladoras, que monitoram transações acima de determinados valores.

Esses depósitos podem ser feitos por uma só pessoa ao longo do tempo ou, mais comumente, por meio de um grupo de pessoas (chamadas de “smurfs“, em referência ao desenho animado). Esse processo pode envolver diferentes bancos e regiões, tornando o rastreamento dos fundos mais difícil.

Bancos no exterior

Esse método envolve a transferência de fundos para contas offshore abertas nos chamados paraísos fiscais — países que, além de baixa tributação, garantem sigilo bancário rigoroso.

Esses países permitem a abertura de contas anônimas ou registradas apenas por números, dificultando a identificação dos verdadeiros titulares e a fiscalização sobre a origem dos recursos. Entre os paraísos fiscais mais conhecidos estão: as Ilhas Cayman, Bahamas, Catar, Hong Kong, Panamá e Cingapura. 

Bancos subterrâneos/alternativos

Envolve redes informais de transferência de dinheiro comuns na Ásia, Oriente Médio e África. Esses “bancos subterrâneos” operam paralelamente ao sistema tradicional, permitindo depósitos, retiradas e transferências sem registros formais, o que dificulta a supervisão das autoridades.

Um dos exemplos mais conhecidos é o hawala. Nele, o remetente entrega o dinheiro a um intermediário (hawaladar), que aciona outro hawaladar no país de destino para repassar o valor ao beneficiário. Tudo ocorre sem movimentação bancária oficial, baseado apenas na confiança entre os intermediários. 

Embora tenha surgido para atender comunidades sem acesso a bancos, esse sistema passou também a ser usado para ocultar a origem de recursos e viabilizar transações ilegais.

Investir em negócios legítimos 

Uma das estratégias mais conhecidas de lavagem de dinheiro, esse método caracteriza-se pelo uso de empresas de fachadas. Os criminosos criam ou se aproveitam de negócios legítimos para ocultar a origem do dinheiro ilícito.

O esquema funciona de forma simples: os valores obtidos ilegalmente são misturados às receitas legítimas da empresa. A contabilidade então disfarça esses montantes, inflando os ganhos declarados e apresentando o total — composto por dinheiro sujo e limpo — como parte do faturamento operacional.

Sociedades fictícias (shell companies)

Como o nome sugere, as sociedades fictícias são empresas de “faz de conta” que existem apenas no papel. Diferentemente das empresas de fachada, elas não exercem qualquer atividade econômica real.

Seu funcionamento baseia-se na simulação de transações: essas empresas recebem dinheiro sujo como suposto pagamento por produtos ou serviços inexistentes, emitindo faturas e contratos falsos para dar aparência de legalidade aos valores.

Laranjas

De origem incerta, o curioso termo “laranja” designa pessoas que, consciente ou inconscientemente, emprestam suas identidades para operações ilegais.  Elas atuam como intermediárias, ocultando os verdadeiros beneficiários de um crime.

Os laranjas realizam transações financeiras e econômicas em seu próprio nome, mas sob ordens de terceiros. Muitas vezes, essas pessoas sabem que estão sendo utilizadas desta forma, podendo, não raro, receber um salário ou pagamento por seus “serviços”.

Por outro lado, pessoas com menor instrução ou poucos recursos podem ser coagidas a abrir contas bancárias ou empresas fictícias sem perceber que estão sendo manipuladas. Além disso, criminosos podem usar documentos roubados ou extraviados para criar laranjas sem o conhecimento das vítimas.

Importações e exportações fraudulentas

Embora operem em sentidos opostos, ambos os esquemas utilizam o superfaturamento para disfarçar a movimentação de dinheiro ilícito em transações internacionais.

Nas importações fraudulentas, faturas são emitidas com valores superiores aos realmente pagos pelos produtos. A diferença entre o preço real e o declarado permite o envio encoberto de dinheiro sujo ao exterior, sob a justificativa de pagamento por mercadorias.

Já nas exportações fraudulentas, ocorre o inverso: produtos ou serviços são vendidos para o exterior por valores inflacionados, possibilitando a entrada de dinheiro de origem ilícita no país ou a reintegração de fundos já lavados.

Transações fraudulentas de imóveis

Os investimentos imobiliários estão entre os métodos mais utilizados para lavar grandes quantias de dinheiro ilícito.

O processo geralmente ocorre da seguinte maneira: criminosos adquirem imóveis por valores declarados bem abaixo do preço real pago. A diferença entre o valor declarado e o valor efetivamente pago é então quitada com dinheiro vivo, o que impede o rastreamento da origem ilícita dos fundos. Como esse pagamento em espécie não passa por canais bancários, ele não deixa registros que possam ser investigados pelas autoridades.

Após a aquisição, o criminoso pode aguardar a valorização do imóvel e, então, revender a propriedade por um preço de mercado mais alto, criando a ilusão de um lucro legítimo. O valor obtido nessa revenda é considerado legítimo, pois foi gerado a partir de uma transação aparentemente válida e transparente. 

Essa operação pode ser repetida com diversos imóveis, tornando mais difícil para as autoridades rastrearem a origem do dinheiro e a rede de transações fraudulentas.

Operações com bens de luxo

Assim como os imóveis, bens de luxo como carros, pedras preciosas e obras de arte são amplamente utilizados na lavagem de grandes quantias de dinheiro ilícito. Esses itens, devido ao seu alto valor, permitem a movimentação de grandes somas de dinheiro em poucas transações, tornando o processo mais rápido e eficaz.

Além disso, outra vantagem para os criminosos nesse tipo de operação é que bens de luxo podem possuir valor subjetivo, permitindo que seu preço seja manipulado com relativa facilidade. Isso torna possível o superfaturamento ou subfaturamento em transações fictícias, dificultando a rastreabilidade dos valores envolvidos.

Por exemplo, um criminoso pode comprar uma obra de arte por um preço baixo e, em seguida, revendê-la por um valor inflacionado a um cúmplice ou intermediário. Essa transação aparentemente legítima disfarça o dinheiro ilícito, permitindo que ele seja apresentado como um ganho legítimo. Da mesma forma, carros de luxo ou joias podem ser comprados e revendidos com variações de preço, permitindo que o dinheiro sujo seja lavado de forma discreta.

Cumplicidade de profissionais internos (insiders)

Nesse tipo de esquema, criminosos aliciam funcionários de instituições financeiras ou empresas para facilitar a movimentação de dinheiro ilícito. Esses colaboradores cumprem um papel essencial ao burlar regras e controles internos, permitindo que as transações suspeitas passem despercebidas.

Entre as práticas comuns, o cúmplice ou infiltrado pode executar operações não autorizadas, omitir informações essenciais ou, simplesmente, deixar de cumprir regulamentações de prevenção. Isso inclui não registrar corretamente a identificação de clientes, ignorar alertas de transações suspeitas ou deixar de comunicar indícios de lavagem de dinheiro ao Conselho de controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Quais são as 3 fases da lavagem de dinheiro?

Independentemente da estratégia adotada, a lavagem de dinheiro segue, segundo os principais órgãos reguladores, um processo estruturado em três fases principais:

  • Colocação (placement);
  • Ocultação (layering);
  • Integração (integration).

Esse modelo é amplamente aceito e presente na maioria das teorias sobre o tema. No entanto, algumas abordagens mais recentes sugerem a existência de uma quarta fase, chamada Reciclagem (Enjoyment), que ocorre após a integração. A seguir, explico cada uma dessas fases, incluindo um breve adendo sobre essa possível etapa adicional.

Colocação (placement)

Primeira fase do processo de lavagem de dinheiro, a colocação (placement) consiste em inserir recursos ilícitos no sistema financeiro, por meio de empresas ou instituições financeiras legítimas. O objetivo é afastar o dinheiro de sua origem criminosa.

Essa etapa é considerada a mais arriscada, pois bancos, corretoras e outras entidades reguladas são obrigadas a reportar transações suspeitas ou de grande valor às autoridades, aumentando o risco de detecção.

A colocação pode ocorrer de diferentes formas, como:

  • Depósitos bancários fracionados, para evitar alertas de movimentações atípicas;
  • Compra de produtos financeiros, como seguros ou cotas de fundos de investimento;
  • Aquisição de bens de alto valor, como imóveis, obras de arte e carros de luxo.

Ocultação (layering)

Após a colação, dá-se início a segunda fase da lavagem de dinheiro: a ocultação (layering). Nessa etapa, considerada a mais complexa, os criminosos realizam uma série de transações financeiras sucessivas com o objetivo de mudar a forma dos bens ou valores obtidos ilegalmente e dificultar o rastreamento de sua origem.

A ocultação pode ser feita de inúmeras maneiras, normalmente, por meio de uma combinação complexa de operações, incluindo:

  • Transferências entre várias contas bancárias, especialmente em diferentes países, dificultando a identificação do caminho do dinheiro;
  • Uso de empresas de fachada;
  • Transferência de recursos para paraísos fiscais;
  • Conversão para criptomoedas ou outros ativos digitais, aproveitando a dificuldade de rastreamento dessas transações;
  • Uso de contratos falsos ou superfaturados.

Ao final dessa fase, o dinheiro já percorreu um caminho complexo e desconectado da atividade criminosa original, tornando sua identificação ainda mais difícil.

Integração (integration)

Na terceira e última fase da lavagem de dinheiro, os valores já foram suficientemente distanciados de sua origem criminosa e adquirem a aparência de recursos legítimos. No estágio de integração, o dinheiro é formalmente incorporado ao sistema econômico por meio de investimentos ou aplicações legais.

Alguns exemplos comuns de integração incluem:

  • Aquisição de empresas legítimas, permitindo a movimentação do dinheiro dentro de operações comerciais regulares;
  • Investimentos no mercado financeiro, como ações, fundos de investimento ou títulos públicos.

Reciclagem (Enjoyment)

Embora os modelos conceituais mais aceitos dividam a lavagem de dinheiro em apenas três etapas, algumas abordagens alternativas sugerem a inclusão de uma quarta fase: a reciclagem. Nessa etapa, o dinheiro “já limpo” é reutilizado para financiar novas atividades ilícitas, como o reinvestimento no tráfico de drogas ou armas.

Embora essa fase não seja reconhecida por todos os órgãos reguladores, ela evidencia como o dinheiro lavado pode ser reinserido em atividades criminosas, alimentando um ciclo contínuo de ilegalidade.

Quais os sinais de lavagem de dinheiro?

As movimentações e transações financeiras suspeitas ou atípicas são os principais indícios de lavagem de dinheiro. Mas o que caracteriza uma operação financeira suspeita?

Em geral, trata-se de padrões financeiros incompatíveis com o histórico ou perfil de uma pessoa, identificados por instituições financeiras e outras entidades obrigadas, pela Lei nº 9.613/1998, a monitorar essas movimentações e comunicá-las às autoridades competentes.

Para tornar essa definição menos vaga, vale observar o que diz a Circular nº 3.978/20 do Banco Central do Brasil. O documento lista as operações financeiras que devem ser reportadas ao Coaf no prazo máximo de 24 horas após sua realização. Alguns exemplos incluem:

  • Depósitos ou saques em espécie de R$50 mil ou mais;
  • Pagamentos, recebimentos ou transferências de R$50 mil ou mais, por qualquer meio;
  • Solicitações de provisionamento de saques em espécie a partir de R$ 50 mil;
  • Transações suspeitas envolvendo moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários, metais preciosos ou outros ativos conversíveis em dinheiro, acima de R$10 mil.

É importante destacar que a comunicação ao Coaf não configura, por si só, uma denúncia de lavagem de dinheiro. Ela apenas indica que a operação possui características que exigem notificação obrigatória às autoridades.

Cabe ainda um detalhe mais: essa comunicação ocorre sem o conhecimento do cliente, conforme determina a legislação. O objetivo é evitar que um possível criminoso seja alertado sobre a investigação em andamento.

Exemplos de lavagem de dinheiro

De modo a cimentar o conhecimento, após apresentar a conceituação de lavagem de dinheiro, as etapas desse crime, quem o pratica e de que formas, cabe aqui apresentar alguns exemplos. Para isso, vou me valer de alguns casos reais amplamente divulgados na mídia.

Exemplo 1: HSBC e o “SwissLeaks” (2015)

SwissLeaks é como foi cunhada uma série de reportagens jornalísticas lideradas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que revelou como uma agência de “private bank” do HSBC ajudou clientes a ocultar bilhões de dólares de autoridades fiscais. Isso era feito fracionando depósitos e transferências para dificultar a detecção de irregularidades. Esse é um exemplo tanto de depósitos estruturantes como do uso de insiders.

Exemplo 2: Panama Papers (2016)

A série de reportagens conduzidas pela ICIJ, o Panama Papers revelou como a Mossack Fonseca, um escritório de advocacia panamenho, ajudava na criação de empresas offshore para esconder dinheiro e evitar impostos. 

O vazamento de 11,5 milhões de documentos expôs a criação de 214 mil empresas em mais de 200 países, incluindo políticos de 50 países envolvidos em esquemas de ocultação de bens. No Brasil, o ICIJ checou nomes de políticos e empresários, alguns ligados à Lava Jato. 

Esse caso exemplifica o uso de sociedades fictícias (shell companies) e paraísos fiscais para movimentar dinheiro sem chamar atenção.

Exemplo 3: Cartel de Medellín (década de 1980)

Poucos personagens históricos ilustram tantas formas de lavagem de dinheiro quanto Pablo Escobar, líder do Cartel de Medellín. No auge de suas operações, Escobar chegou a ser listado pela Forbes como o 7º homem mais rico do mundo, movimentando bilhões de dólares provenientes do narcotráfico. Para legitimar esses recursos e evitar detecção, o cartel utilizava diversas estratégias de lavagem, incluindo:

  • Empresas de fachada: o cartel de Escobar investia em negócios legítimos, como postos de gasolina, imobiliárias, concessionárias e até um clube de futebol (Independiente Medellín), onde misturava dinheiro do tráfico com receitas legais;
  • Compra de imóveis: Escobar e seus aliados aplicavam fortunas em propriedades na Colômbia, nos EUA e em outros países, inflacionando artificialmente os valores para disfarçar a origem dos recursos;
  • Paraísos fiscais: o dinheiro do cartel era movimentado por meio de contas bancárias em jurisdições com leis sigilosas, como Panamá e Ilhas Cayman, dificultando a rastreabilidade dos fundos;
  • Depósitos estruturantes (smurfs): para evitar alertas automáticos dos bancos, o cartel tinha por prática fracionar grandes quantias em depósitos menores feitos por intermediários, os chamados “smurfs“, espalhando os valores em diversas contas bancárias.

Exemplo 4: Fintechs e PCC (2025)

Para finalizar, vale citar um caso mais recente e local: a descoberta de fintechs utilizadas para lavar dinheiro com criptoativos, investigadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). 

Um caso emblemático dessa investigação foi o do 2GO Bank, uma fintech que, junto com a InvBank, foi usada para movimentar e ocultar recursos da maior facção criminosa do país: o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Esse exemplo mostra como a lavagem de dinheiro está sempre se reinventando, com métodos cada vez mais complexos e sofisticados. Embora velhas estratégias como empresas de fachada e offshores ainda sejam utilizadas, novos esquemas estão sendo constantemente desenvolvidos, exigindo esforços regulatórios e fiscais constantes e aprimorados para combater o crime.

O que é lavagem de dinheiro inversa?

Às avessas da lavagem de dinheiro tradicional, a lavagem de dinheiro inversa consiste em transferir recursos de fontes legítimas para grupos criminosos. Pode-se dizer, de certo modo, que esse crime transforma “dinheiro limpo” em “sujo”.

Isso pode ser feito por intermédio de empresas de fachada ou mesmo pelo uso de indivíduos empregados regularmente, mas que repassam parte de seus salários para grupos criminosos. Esse tipo de prática costuma ser associada ao financiamento do terrorrismo, que recorrem a ela para financiar ataques, comprar armas ou mesmo treinar novos integrantes.

Na contramão da lavagem de dinheiro convencional, no método inverso não há a necessidade de dissimular a origem dos recursos — já que esses realmente vem de atividades legais —, mas sim a sua destinação.

Qual a diferença entre lavagem de dinheiro e branqueamento de capital?

Quanto ao significado, não há diferença entre lavagem de dinheiro e branqueamento de capitais. Ambos os termos são usados de forma intercambiável para descrever o processo de ocultação ou dissimulação da origem ilícita de recursos financeiros. A distinção entre eles está apenas na terminologia mais comum em cada país

No Brasil, o termo lavagem de dinheiro é o mais utilizado. Já nos demais países de língua portuguesa, como Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, a expressão mais adotada é branqueamento de capitais.  

Qual o impacto da lavagem de dinheiro?

De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), algo entre US$800 bilhões e US$2 trilhões em dinheiro ilícito são inseridos na economia formal todos os anos por meio de esquemas de lavagem de dinheiro. Isso significa que cerca de 3,6% de todo o dinheiro movimentado no planeta pode estar relacionado a atividades como corrupção e financiamento do crime organizado.

Em resumo: o branqueamento de capitais não afeta apenas a economia, mas também a sociedade. Esses esquemas servem para ocultar a origem de valores obtidos por meio de crimes como tráfico de armas, assaltos e atos terroristas e desvio de fundos públicos, permitindo que essas atividades continuem a ocorrer. 

Por isso, prevenir a lavagem de dinheiro significa também o combate a uma série de crimes comuns que afetam toda a população.

Como combater a lavagem de dinheiro?

A Lei nº 9.613/1998 estabelece, em seus artigos 10º e 11º, três principais métodos de prevenção à lavagem de dinheiro que devem ser seguidos por pessoas que lidam com transações financeiras relevantes — as chamadas “pessoas obrigadas”. São eles:

  • Identificação de clientes: adoção de procedimentos rigorosos para verificar a identidade de seus clientes, incluindo o cadastro atualizado de informações pessoais e financeiras, a fim de evitar o uso de contas e transações para fins ilícitos;
  • Manutenção de registros: as operações financeiras realizadas devem ser registradas e armazenadas. Isso inclui registros detalhados sobre transações acima de determinados valores ou que apresentem indícios de irregularidade.
  • Comunicação de operações financeiras: transações suspeitas ou que ultrapassem certos limites devem ser obrigatoriamente reportadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Quais são as principais legislações brasileiras de combate à lavagem de dinheiro?

No Brasil, a principal Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD) é a Lei nº 9.613/1998. Essa legislação tipifica e pune as práticas de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, além de estabelecer normas de prevenção a serem seguidas por pessoas obrigadas, como instituições financeiras, seguradoras e empresas que lidam com transações relevantes.

Além dela, cabe citar também a Lei nº 12.683/2012, que alterou a PLD de 1998 para tornar o combate à lavagem de dinheiro mais rigoroso. Entre as mudanças mais importantes, destacam-se:

  • A eliminação da exigência de um crime antecedente, permitindo que qualquer bem de origem ilícita seja enquadrado na tipificação de lavagem de dinheiro;
  • O aumento das penas para quem for condenado por esse crime;
  • A ampliação das pessoas obrigadas a adotar medidas de controle e comunicação de operações suspeitas.

Além dessas leis, diversas resoluções, circulares e regulamentações emitidas por órgãos reguladores de diferentes setores complementam o arcabouço legal. Entre as mais relevantes, destacam-se:

Regulador/FiscalizadorNorma vigente
Agência Nacional de Mineração (ANM)Resolução ANM Nº 129/2023
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)Resolução Normativa RN nº 529/2022
Banco CentralCircular nº 3.978/2020
Comissão de Valores Mobiliários (CVM)Resolução CVM nº 50/2021
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) Resoluções Coaf nº 23/2012, Coaf nº 25/2013, Coaf nº 41/2022 e Coaf nº 30/2018
Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci)Resolução Cofeci nº 1.336/2014
Conselho Federal de Contabilidade (CFC)Resolução nº 1721/2024 
Conselho Federal de Economia (Cofecon)Resolução nº 1902/2013
Conselho Nacional de Justiça (CNJ)Provimento nº 161/2024 
Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei)Instrução Normativa nº 76/2020
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)Portaria nº 396/2016
Loteria do Estado do Paraná (Lottopar)Portaria nº 001/2024
Polícia Federal (PF)Instrução Normativa nº 196-DG/PF, de 2021
Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA/MF)Portaria nº 537/2013 e Portaria Normativa MF nº 1.143/2024
Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc)Resolução Previc nº 23/2023
Superintendência de Seguros Privados (Susep)Circular Susep nº 612/2020

Importante destacar que, além das legislações nacionais, o Brasil é parte de vários tratados internacionais que versam, direta ou indiretamente, sobre o combate à lavagem de dinheiro, como a Convenção de Palermo (2000) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003). 

Qual a importância do Coaf no combate à lavagem de dinheiro?

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) é o principal órgão responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro no Brasil. Criado pela Lei nº 9.613/1998, o Coaf recebe e analisa movimentações financeiras atípicas relatadas por instituições financeiras e outros setores obrigados. Quando identifica indícios de atividades suspeitas, elabora relatórios e os envia ao Ministério Público ou à Polícia Federal.

De forma simples, pode-se dizer que o Coaf “segue o dinheiro”, monitorando transações financeiras no país. Atua como intermediário entre as pessoas obrigadas (instituições financeiras, corretoras, comércios de luxo) e as autoridades encarregadas de investigar e controlar crimes financeiros.

Além disso, esse órgão supervisiona setores econômicos sem órgãos reguladores específicos e coordena a troca de informações com outras entidades para aprimorar o combate aos crimes financeiros no Brasil.

Vale ressaltar que, embora essencial para o combate à lavagem de dinheiro, o Coaf não realiza investigações, não tem acesso a extratos bancários e não possui poder para bloquear valores ou prender pessoas. Seu papel é exclusivamente administrativo, analisando informações e garantindo que cheguem de forma eficiente às autoridades competentes.

Qual a pena para lavagem de dinheiro?

A pena para quem comete o crime de lavagem de dinheiro no Brasil, conforme a Lei nº 9.613/1998, varia de 3 a 10 anos de reclusão, além de multa. Se a infração for cometida de forma habitual ou por meio de organização criminosa, a pena pode ser aumentada em até dois terços.

Além de punir diretamente os envolvidos no processo de lavagem de dinheiro, a legislação também impõe obrigações a pessoas e entidades do mercado financeiro. O descumprimento dessas normas pode resultar em sanções que variam desde uma simples advertência até multa de até R$20 milhões, além de possíveis penalidades como a cassação ou suspensão do exercício da atividade, operação ou funcionamento.

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Comentários

Rafael - 05/10/2016

Olá! A imagem que explica as 3 etapas de lavagem de dinheiro não está funcionando, pelo menos aqui para mim. Poderia verificar? Muito obrigado pelo ótimo conteúdo disponibilizado gratuitamente!

TopInvest - 05/10/2016

Boa tarde Rafael, Tudo bem? Ficamos muito contente em poder ajudar. Realmente, a imagem estava com algum link quebrado. Já corrigimos o problema. As etapas são a Colocação, a Integração e a Ocultação. Em breve teremos mais novidades também. Não deixe de participar do nosso fórum, lá você pode interagir com outros usuários e criar e responder dúvidas: https://topinvest.com.br/forums Curta nossa página no facebook https://www.facebook.com/TopInvestBrasil e compartilhar nosso conteúdo para que possamos continuar com a educação financeira gratuita. Um abraço, Equipe TopInvest